sábado, 20 de outubro de 2007

O Nascimento

O útero se contraía, mas ainda não era hora; a gestação se encontrava no quinto mês. Estava só no pequeno quarto mal iluminado por uma lâmpada fraca, não havia janelas, só um buraco fechado por uma cortina quase transparente desempenhando a função de porta. Acocorada no canto ela ouvia os três filhos brincarem na sala. Um deles tossia muito, os outros dois encenavam personagens fantásticos. Ela não sabia como ainda não tinham morrido de fome; deus era bom o bastante para não deixá-los morrer e mau o suficiente para engravidá-la mais uma vez.
“E agora?E agora? Que vou fazer?”, pensava olhando pra barriga com estrias e amaldiçoando o ser dentro dela. Sentou-se no colchão de casal no chão, um líquido negro-esverdeado correu pernas abaixo. “Fica ai dentro, guri!”. A respiração cada vez mais acelerada, os batimentos descompassados, outra contração e um jorro de líquido pastoso. De súbito lembrou que sua irmã certa vez fizera o parto de uma vizinha, talvez pudesse ajudar.
- Felipe, corre buscar tua tia! Diz pra ela vir correndo, leva teus irmãos e fiquem lá! – As crianças foram correndo o mais depressa que podiam com seus passinhos de pernas curtas.
A irmã de Suzana chegou em menos de quinze minutos, morava a poucos barracos de distância.
- Que tu tem, irmã?
- Não sei, acho que o guri quer sair.
- Vamos pro hospital.
- Não, me ajuda. Deixa ele sair aqui mesmo, ele já tá morto. – Disse ela segurando a mão da irmã com força, deixando claro que não queria ir pro hospital, não queria médicos, enfermeiras, tinha certeza que não era um nascimento, era um aborto.
Não demorou para que a criança morta saísse. Roxa, como se suas carnes estivessem podres, em nada se parecia com um ser humano. Suzana, pálida feito assombração, contemplava aquele ser que dormia sobre o colchão.
- O que tu vai fazer com ele?
- Não sei.
- Melhor seria enterrar antes que alguém apareça.
- Não, deixa ele aí mais um pouco. Depois eu sumo com ele. – Suzana bebeu um pouco da água que a irmã lhe trouxe. – Tu fica com meus filhos até amanhã? – Um assentimento com a cabeça. – Amanhã eu pego eles, depois que sumir com ele.
Naquela noite choveu forte e ela dormiu um sono pesado com seu filho necrosado. Sonhou com uma tribo indígena que comia seus mortos e quando acordou já sabia que naquele dia seus filhos, que há muito não comiam nada além de arroz e farinha, comeriam carne.

7 comentários:

Anônimo disse...

hum...curti a tua descrição =)
o cheiro de formol ta te dando uns této neh? XD

Anônimo disse...

acho esse conto terrível.
me sinto mal depois que eu leio, principalmente na parte que ela dorme com o bebê morto.
imagem dilaceradora.

=)

Bibi disse...

\o

Muito bom flor de laranjeira!xD

auehuehuehe
concordo com o carlos!!
aeiuaheiaheuiaheaiuheuh

;)


Bejooo

Anônimo disse...

Concordo com Carlos... o formol tah mexendo com teus neurônios... ahahaha

Nem um pouco mórbido este conto... e é tomado por um clima pesado do ínicio ao fim... termina com um pensamento completamente impactante... pois não é um ritual antropofágico... mas algo além de sugar a alma do feto... é tirar o que resta daquele corpo e passar à sobrevivencia dos irmãos...

Um ato terrível aos olhos humanistas... um ato primievo aos olhos naturalistas...

elfo disse...

Lindo!
Muito bem escrito!
boquiaberto lendo, desde o começo...

um clima pesadão e pah, e trata de um tema bem real, bem foda...

é bem aquilo que tu disse:
"gente que já sofreu tanto que fica meio insensivel"

muito foda =]

*orgulhoso*

=***

edimar disse...

bem,o conto é meio sinistro mesmo,mais o que achei interessante,foi a forma expressiva com que ela escreve,muito bacana.Siga em frente nina....
bjo

Roland Deschain disse...

Tiens! Muito bom! =]
o conto todo é muito bacana, bem escrito e bem prático no final :P
Pareces com uma daquelas obras de arte que a cada olhadela se observam detalhes novos e interessantes =]
beijos e vamos ver o que mais hei de ver ;)
bonne nuit