terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Voz silenciada

No ângulo inverso ao habitual, notavam-se pétalas de rosa. Sob a água morna ela via o teto branco manchado por bolas vermelhas, as pontas dos seus cabelos subindo de encontro a superfície e o som que vinha parecia ondas lentas. A cada segundo ressurgia a imagem do relicário alheio. Testava quanto tempo era possível ficar embaixo da água; ninguém jamais conseguiu se suicidar afogado numa banheira.
Foi por acaso que encontrara aquela foto venenosa. Até que ponto o amor é saudável? Ele era seu, e também daquela outra, e isso nunca fora possível. “Meu deus, o que eu faço? Reclamo meus direitos, digo que não quero mais, pago na mesma moeda? Meu deus, o que eu faço?” Na mesma peça de roupa que encontrara a foto, achou o papel velho, gasto tanto pular de bolso em bolso, prova mais que verdadeira: “Raquel – 9458-3146”. O amor dormia, seu celular inocente repousava sobre o criado mudo. Pegou-o, foi até a sala, e trêmula discou. A voz doce-alegre-sensual do outro lado dizendo “meu amor, meu amor, você esta hora?alô?alô?alô???”, interrompeu a ligação rápido. Não esperava que o celular tocasse em retorno, afinal, Raquel deveria saber que esta hora ele estaria em casa com a esposa.
Então chorou, sentou-se e chorou mais, e com mais dor. Não de raiva ou ódio, chorou por simples desapontamento. Seis dias mais cedo quando ele encontrou o resultado do teste de gravidez, jurou a esposa que a amava, que ela era a única, e que sempre seria. “Há quanto tempo ele dorme com essa tal de Raquel? Faz quanto tempo? Eles se amam ou é só sexo? O que eu fui pra ele todo esse tempo? Uma palhaça apaixonada? Ele fingiu? Meu deus, como eu fui idiota!”
Ela dormiu apreensiva naquela noite maldita, e na manhã seguinte não viu quando ele saiu pra trabalhar.
Subiu o pescoço e respirou. 18:47, logo ele chegaria. Quatro minutos depois o labrador latiu faceiro no portão. O barulho das chaves movimentando-se enquanto ele abria a porta, o cão arranhando-a em seguida para entrar, ele gritando oi para chamá-la, o cheiro do jantar que ele trouxera, tudo isso pareceu tão distante e irreal que ela não foi capaz de mover nada em seu corpo.
Ele abre a porta do banheiro, sorri para ela do mundo exterior, e ela não pode evitar sorrir de volta do seu mundo submerso. Então, emerge sombria, ele a beija e ela retribui enquanto sente seu coração esmigalhando-se.
- Trouxe o jantar.
- Tá. Já vou.
Outro beijo, lento e molhado, a mão pressionando sua nuca, milhares de formigas picando sua língua e uma víbora enroscando-se no seu pescoço pra quase quebrá-lo. – Não demora.
Treze minutos depois ela vestiu o roupão e jantou com ele. Quase não falou durante o jantar. Ele perguntava insistente o que ela tinha e ela só sabia dizer ‘nada, nada, eu não tenho nada’.
- Tu não tem nada pra me dizer?
- Não. Agora, tu pode me dizer o que tu tem?
- Eu não tenho nada, achei que tu queria conversar comigo.
- Eu sempre quero, tu sabe. – Sorriu, mas não obteve nenhuma retribuição.
Ela saiu correndo e vomitou até que não houvesse mais a sair de seu estômago, senão uma água amarelada. Escovou os dentes e foi deitar-se meio zonza. Ouviu o barulho do chuveiro, e em seguida ele estava a seu lado.
- Me desculpa.
- Te desculpar por quê?
- Por qualquer coisa. Parece que tu não me ama mais, o que eu te fiz de errado?
- Não sei. O que tu fez?
- Eu não sei...
Virou-se para o lado oposto e deitou a cabeça sobre o travesseiro. Sentiu que ele fez o mesmo, uma lágrima fugiu de seus olhos. Limpou-a resolvida. Passou a mão sobre aquele ombro nu, beijou a orelha dele e disse baixinho que sempre iria amá-lo. Ele beijou as mãos dela, beijou sua boca, seu pescoço, suas bochechas e fizeram amor.
Adormeceram.
No meio da noite ela acordou. Arrumou as malas e escreveu no verso do papel com o número de Raquel: “Meu amor, nunca vou te esquecer. Mas não posso te perdoar.”

domingo, 23 de dezembro de 2007

Túmulo Solar



Na manhã mais funesta
Quando o sol negro nascer
Quimeras irei colher

Quando a lua for astro mor
Será então o apogeu
Do novo sistema
Dos planetas inalteráveis

O sol eu sepultei
Sob teus pés, meu amor
Para que um dia tu possas
Flores fosforescentes colher

domingo, 18 de novembro de 2007

Savana sonhada

No corpo quase podre
os primeiros vermes germinavam
No céu abutres sobrevoavam

O sol quente latejava a cabeça
suas mãos sangravam
e não sentia as pernas

Naquela visão infernal
o cheiro pútrido cortava-lhe
o nariz e o cérebro

Não sabia de que lado
ficava o norte
ou se deveria ir ao sul

Uma manada de elefantes
surge à esquerda
Um leão caminha em sua direção

Refletiu-se naqueles olhos
Caiu de joelhos e chorou
As lágrimas formaram uma poça

Um outro alguém exato
lhe estendeu a mão
que foi picada por uma peçonha

A tempestade caiu num grito de dor
... adormeceu
e acordou em terras estranhas




(dejavu?oui,oui... é velho sim, mas em formato novo!
um viva a arte de recortar!
um viva ao meu eu-lírico!
um viva ao seu eu-lírico!
um brinde aos corpos que ainda estão quentes...)

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

As nuvens são cinzas,
ou cinza é a minha visão?

É tanta, tanta dor
A fumaça alheia na minha cara

E o mofo que crias no meu coração

Febre,
sob meu leito, uma cruz

É tanta, tanta dor
O bafo de vinho alheio na minha cara

E o mofo que crias no meu coração

As nuvens são cinzas,
ou cinza é a minha visão?

sábado, 20 de outubro de 2007

O Nascimento

O útero se contraía, mas ainda não era hora; a gestação se encontrava no quinto mês. Estava só no pequeno quarto mal iluminado por uma lâmpada fraca, não havia janelas, só um buraco fechado por uma cortina quase transparente desempenhando a função de porta. Acocorada no canto ela ouvia os três filhos brincarem na sala. Um deles tossia muito, os outros dois encenavam personagens fantásticos. Ela não sabia como ainda não tinham morrido de fome; deus era bom o bastante para não deixá-los morrer e mau o suficiente para engravidá-la mais uma vez.
“E agora?E agora? Que vou fazer?”, pensava olhando pra barriga com estrias e amaldiçoando o ser dentro dela. Sentou-se no colchão de casal no chão, um líquido negro-esverdeado correu pernas abaixo. “Fica ai dentro, guri!”. A respiração cada vez mais acelerada, os batimentos descompassados, outra contração e um jorro de líquido pastoso. De súbito lembrou que sua irmã certa vez fizera o parto de uma vizinha, talvez pudesse ajudar.
- Felipe, corre buscar tua tia! Diz pra ela vir correndo, leva teus irmãos e fiquem lá! – As crianças foram correndo o mais depressa que podiam com seus passinhos de pernas curtas.
A irmã de Suzana chegou em menos de quinze minutos, morava a poucos barracos de distância.
- Que tu tem, irmã?
- Não sei, acho que o guri quer sair.
- Vamos pro hospital.
- Não, me ajuda. Deixa ele sair aqui mesmo, ele já tá morto. – Disse ela segurando a mão da irmã com força, deixando claro que não queria ir pro hospital, não queria médicos, enfermeiras, tinha certeza que não era um nascimento, era um aborto.
Não demorou para que a criança morta saísse. Roxa, como se suas carnes estivessem podres, em nada se parecia com um ser humano. Suzana, pálida feito assombração, contemplava aquele ser que dormia sobre o colchão.
- O que tu vai fazer com ele?
- Não sei.
- Melhor seria enterrar antes que alguém apareça.
- Não, deixa ele aí mais um pouco. Depois eu sumo com ele. – Suzana bebeu um pouco da água que a irmã lhe trouxe. – Tu fica com meus filhos até amanhã? – Um assentimento com a cabeça. – Amanhã eu pego eles, depois que sumir com ele.
Naquela noite choveu forte e ela dormiu um sono pesado com seu filho necrosado. Sonhou com uma tribo indígena que comia seus mortos e quando acordou já sabia que naquele dia seus filhos, que há muito não comiam nada além de arroz e farinha, comeriam carne.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Buenas!
Primeiramente uma apresentação...
Este blog foi criado em contraresposta ao antigo 'fuckyourlife.blogger',que por motivos que não convém mencionar foi deletado.Tudo bem, há males que vêm para o bem, quem sabe esse não foi um deles?! A proposta agora é me superar (literalmente, nas letras)!
O pós-modernismo ultra-romântico, por que esse nome? Pois bem, vivemos numa era que é literalmente o caos! E vejam bem, o caos não necessáriamente é algo ruim. Esta é a época do TUDO! Há espaço para o certinho, para o maluco, para o retrô, para o futurista, para a fé, para o pagão, e para a mistura de qualquer elemento. Nisso consiste o pós-modernismo, nessa diversidade de escolhas. A moda é ser bipolar, num minuto sorrir e no seguinte chorar. A arte agora é qualquer coisa, e temos a bienal aí que comprova o que acabei de dizer.
Pós-modernismo e ultra-romântismo parecem coisas que se opõe. Eu digo que não. O pós-modernismo ultra-romântico para mim é o amor não duradouro. O amor eterno até a noite seguinte. O sofrer rápido e seco. O gozo eterno no segundo presente. Superficial? Dizem por aí que esse é o mal da minha geração... Não vejo isso como superficialidade, é apenas uma resposta. Resposta a que? Ao mundo, as pessoas, a música, a violência, a tudo aquilo que somos obrigados a conviver. Nada é por acaso, não somos superficiais, apenas aprendemos que não podemos confiar em ninguém, e por isso apreendemos a viver o agora.
Cada homem e cada mulher é um estrela!Toda vontade foi feita para ser satisfeita!(Aleister Crowley)
Alice no Tártaro (A Alice pós-moderna morena e de olhos castanhos(Oui, c'est moi!) e seus outros eus) se encarregará de mostrar-lhes tudo isso.
O blog agora muito mais intenso, eu prometo! Mais dores, mais amores, mais palavrões, mais sexo explícito e implícito, mais choro, mais sangue, mais flores (vivas ou mortas), mais muito mais excentrismos, mais tudo!

Creio que isto é tudo.

E não, isso não é uma crônica. Por quê? Porque eu não quero que seja. Todo mundo sabe que a obra é aquilo que o autor quer que ela seja. ;)

Até a próxima