domingo, 17 de fevereiro de 2008

Anniversaire

-Eu juro que é verdade. Não, não eu sei que é um sonho, mas é verdade. Não efetivamente, mas vai ser. Eu acordei no meio da noite chorando, chorando não, era um rio que se formava em cima da cama, um rio de alegria e tristeza. Pára de rir, eu tô aqui te contando o drama da minha vida e tu ri da minha cara!? Seu bobalhão...
Ela era tão perfeita que posso lembrar de cada detalhe. Ainda posso sentir ela acordando no meio da noite e sua mão que automaticamente procurava meus cabelos, ainda levo a minha em procura da sua e me dou conta que estou sozinho no quarto, na casa.
Naquela manhã ela despertou elétrica. Pulou da cama com sua langerie preta, não muito pequena, mas muito sensual, as formas redondas e suas cores tão vivas. Ela abriu a cortina bege saltitante, e saltitante voltou pra cama. Sentou-se sobre mim abrindo os braços como quem mostra um quadro caro dizendo “Bonjour, mon amour! Houjourd’hui il fait soleil! Regarde la vie, regarde-moi! Regarde-moi car je t’aime!!!”.
Eu sorria, porque sorrir era tudo que eu sabia fazer diante dela. Perto dela eu me tornava pequeno, e isso nunca me incomodou. Eu a amo mais que tudo, sempre vou amar.
E mais a cada dia. Mais porque sempre se ama mais aquilo que não se pode ter.
Voltando a manhã que só fazia sol aos olhos dela, que sempre foram capazes de capturar beleza nas coisas mais banais, mas que, ao contrário, tinha um tom cinza, ou talvez fossem só algumas nuvens que eu interpretei como um mau presságio. Tomamos café perto das dez horas, em seguida ela abriu o e-mail e sorriu, e depois seu rosto perdeu a expressão.
— O que foi?
— Eu consegui.
— Conseguiu o quê?
— Aquele emprego.
— Qual deles, amor?
—Aquele em Paris.
Não se tocou mais no assunto até o jantar, mas eu sentia a respiração dela pesada, via o brilho que as lágrimas davam aos olhos de tempos em tempos, mas também sabia que ela precisava ir. Devia. Queria. Nunca passou pelos meus pensamentos pedir pra ela ficar. Era o sonho dela, o sonho agridoce. Também, talvez fossem só alguns meses, um ano, no máximo uma vida. E eu? O que eu ia fazer em Paris? Não ia, essa era a resposta. Pelo menos não por hora. Eu tinha minha faculdade, minha família, a loja. Por mais rápido que me formasse, seria no mínimo um ano e meio. Talvez ela voltasse antes disso, se nenhum francês imbecil a roubasse de mim.
A primeira semana teve telefonemas a cada noite. Cada tchau era mais difícil.
Ao final do primeiro mês ela já estava mais alegre, contava com detalhes as ruas por onde passava. A minha caixa de e-mail estava lotada de fotos.
Depois já não recebia mais tantas fotos, só alguns telefonemas, perdidos espaçados mais por obrigação do que por saudade, eu acho. Mas ela não me disse nada, fez uma surpresa: uma caixa cheia de coisas. Muitos cartões postais, cd’s de bandas que só ouvíamos pela internet e alguns livros que há tempos eu procurava em sebos.
Faz mais de três semanas que não ouço sua voz. É triste, mas eu sei que a tendência é cessar. E a culpa não é de ninguém. Hoje, por exemplo, foi nosso aniversário de casamento e ela nem ligou. Eu sei que ainda são 22:25, mas em Paris já é amanhã.

4 comentários:

Kamila Ail disse...

Uma tristeza tão delicada. O conto inteiro parece se acomodar dentro de uma lágrima.

;*

te gosto.
=)

Anônimo disse...

Hey...

Bom a Kamila já fez todo o serviço... é notável que o que ela disse seja exatamente o que o conto significa... é um lamento... e flui muito bem... talvez por sua simplicidade delicada... ou talvez por ser bem realista... até demais...

Ah! Só para constar que gostei de ter corrido pelo centro, encotrado mulheres malucas e belíssimas visões... ^^

elfo disse...

"Ton soleil, ta braise
Quem me enfeitiçou
O mar, marée, bateau"

^^

M.úz.i.KC.a disse...

no final, eu senti uma solidão.
parece que tudo corre ao sofrimento Werther, não é?
que coisa, isso.


=*